Tequila. Que ingenuidade a minha. Desde quando algumas doses de tequila têm o poder de tirar uma vida já tão acostumada a algumas doses? Então que eu ingerisse um veneno mais forte, oras. Ingenuidade? Não. Medo, sim. A verdade é que eu nunca quis tirar a minha vida. E, afinal, já não foi ela tirada? O simples fato de eu estar fisicamente viva não significa que eu me sinta como tal. Estou viva. Covarde?
Desde aquele dia de sol tão escuro, minha vida perdeu o sentido. Naquela tarde meu corpo deixou de representar vida para mim. Lábios, seios, pernas, nada mais era meu. Eu perdi o domínio sob meu corpo, pois outro, que eu não reconhecia mais, tinha posse dele, assim como da minha fala e das minhas lágrimas. Lágrimas de nojo, de humilhação, de dor.
Aquele homem que costumava mandar em mim sob outros aspectos, agora mandava na minha dignidade. Aquele homem que sentia dor, agora me causava dor. Ele que havia perdido sua esposa que ele amava tanto quanto eu. Ele que ignorou a dor que eu sentia por também ter perdido aquela que me deu essa vida tão doída. Nós dois sentíamos a dor da perda. Mas naquele momento perdi a mim mesma. Mais uma dor.
Tempos antes daquela tarde eu só tinha a ganhar. Uma nova vida no ventre da minha mãe daria um novo sentido à minha. Mas, no mesmo dia, duas vidas se foram. Uma vida que nem sequer teve a chance de viver a dor e a delícia de ser o que é. Outra vida que não tinha a vergonha de ser feliz.
Tempos antes daquela tarde eu só tinha a ganhar. Uma nova vida no ventre da minha mãe daria um novo sentido à minha. Mas, no mesmo dia, duas vidas se foram. Uma vida que nem sequer teve a chance de viver a dor e a delícia de ser o que é. Outra vida que não tinha a vergonha de ser feliz.
Nesse dia meu pai começou a frequentar a terapia no consultório do morro, no qual o psicólogo era o garçom e o remédio era a bebida. No entanto, não esperava ele que eu fosse fazer o mesmo em busca do consolo para minha desilusão, que ele causara de forma mais avassaladora. Covardes!
Os dias passam frios e escuros em pleno verão. Ele continua vendo em mim - rosto e corpo - a figura de minha mãe, tendo em conta nossa crescente semelhança. Eu continuo sangrando por dentro, com aquela dor de cabeça de ressaca e o corpo sujo todas as manhãs. Minha mãe permanece viva em mim para o meu pai todas as noites. E eu? Eu estou viva, porém não sei para quem e nem para quê. E então saio de casa, viro a esquina, entro no bar e repito a mesma frase de sempre: mais tequila, por favor.
Texto produzido na Oficina Literatura e Criatividade, com Cássio Pantaleoni.
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