Carta aberta sobre a depressão




Nunca foi um segredo absoluto, mas também nunca foi um assunto sobre o qual falei aos quatro ventos. Era algo que só meus familiares e amigos mais próximos sabiam, afinal, certas coisas só contamos àqueles que nos querem bem e desejam nos ajudar, não é mesmo? Mas já estava mais do que na hora de assumir para, quem sabe, ajudar outras pessoas como eu, porque elas, que passam por isso também, importam mais do que aqueles que vão me julgar maldosamente. Pois bem: sim, eu tenho depressão. Eu e mais 300 milhões de pessoas no mundo. Somos 4,4% da população do planeta. Pronto, agora você já pode se sentir especial.

Meu nome é Tássia Jaeger, tenho 33 anos, sou jornalista e, fazendo jus à profissão, eu amo escrever. E quer saber? Para mim, certamente, este é o texto mais difícil que já escrevi na vida. Mais difícil, inclusive, que ter escrito o meu próprio livro. Há anos venho tentando tomar coragem para digitar estas linhas. E agora que consegui, escrevo chorando. Mas não porque eu esteja em depressão no momento, e sim porque só eu - e mais esses 4,4% - sei o que é lutar contra mim mesma todos os dias e, felizmente, ganhar a maioria das batalhas. Só eu sei o que é olhar no espelho e ver a minha melhor amiga e a minha maior inimiga ao mesmo tempo. Só eu sei o que é me orgulhar e me decepcionar, me amar e me odiar. Só eu sei o que é persistir quando tudo quer me fazer desistir. Só eu sei o quão forte sou para me consolar e me ajudar sozinha, na maior parte das vezes em que precisei. Só eu sei o quão difícil é falar de algo que me dói tanto, e que ainda são poucos os que entendem e que estão ao seu lado quando você mais precisa.

Sobre não desistir de si mesmo

Eu acho que, no fundo, nunca quis desistir de mim, e essa é a parte mais dura para um depressivo, porque, às vezes, a gente só quer sumir, acabar com aquilo de uma vez por todas. A dor é tanta que a gente só quer parar de chorar, sentir paz, tranquilidade, alívio. É assim que muitos depressivos acabam se suicidando. A saber, dia 10 de setembro é o Dia Mundial de Combate ao Suicídio, e Setembro Amarelo é um mês dedicado inteiramente à conscientização dessa causa, motivo pelo qual decidi escrever esta carta. Mas voltando, lembro-me de uma das piores crises que tive, há uns cinco anos, quando eu chorava muito, principalmente por não conseguir levantar da cama. E não, eu não queria morrer, eu queria viver, queria voltar a sentir prazer nas coisas que mais amava, queria voltar a ser aquela tagarela, alegre, ativa, divertida de sempre. Eu emagreci 9kg em uma semana, porque além de não me levantar, eu não comia. Não bastava estar afastada de amigos e trabalho, que eu tanto amava, a autoestima tinha ido pelo ralo.

Para minha sorte, na época, minha gestora, que também tinha depressão, mesmo comigo afastada há dias, tendo cancelado voos, me mandou flores, ligou e disse que era para eu focar na minha melhora, que meu trabalho estava me esperando. A isso, sou eternamente grata. Foi ela também que me disse que pessoas com depressão eram especiais, porque sentiam tudo de forma mais intensa, enxergavam a vida com profundidade, eram muito inteligentes, até geniais. Assim, descobri gênios depressivos como Bethoven, Machado de Assis, Van Gogh, Hemingway e Clarice Lispector (autora da frase que tatuei, que me lembra que "eu sou mais forte que eu"). Foi a primeira vez que ouvi palavras boas sobre a depressão.

Medo do preconceito

Aí você me pergunta, por que eu, Tássia, que sempre fui um livro aberto, escondi isso por tanto tempo - mais precisamente desde os meus 17 anos? Bom, não foram poucas as vezes que ouvi comentários preconceituosos, com palavras pejorativas como "drama", "boletas", "não é certo da cabeça". Com isso, vinha o medo de afastar os amigos, de perder o emprego, de ser taxada de louca, das pessoas sentirem pena. Sabe o que é o mais triste disso tudo? Que já ouvi comentários assim de gente que levanta tantas outras bandeiras, como feminismo, orgulho LGBTQIA+, inclusão social. Acho que a empatia é seletiva mesmo. É uma pena.

Falar sobre depressão, por mais que já tenha evoluído, ainda é um tabu. Felizmente, as pessoas já estão assumindo que são homossexuais. Felizmente, as mulheres já estão dando um basta ao machismo. Felizmente, já exigimos inclusão para pessoas com deficiência. Já não era sem tempo! No entanto, infelizmente, as pessoas ainda não assumem que têm depressão. Sabe como é: não é feliz, não é motivo de orgulho, não levantamos bandeiras e nem desfilamos pelas ruas falando do Dia do Orgulho Depressivo e nem de Empoderamento Depressivo. Desculpe o sarcasmo, é que talvez a vergonha de falar do assunto seja justamente porque é algo que não é motivo de enaltecimento, e sim de autopiedade.
O fato é que depressão não é frescura, drama, falta de Deus. É doença. E se você não consegue entender a gravidade disso, o problemático maior é você, que em vez de ajudar, pode ver uma pessoa tirar a própria vida debaixo do seu nariz, pois fez pouco caso e não enxergou sua responsabilidade em não potencializar o mal ou preveni-lo. Enfim, mesmo com essa doença, eu me orgulho muito da mulher que sou. Sempre lutei bravamente contra essa dor insuportável que só quem tem sente. Quando falei de lutar contra mim mesma e ganhar a maioria das batalhas, eu me referia ao fato de que, mesmo em constante conflito existencial, entrei na faculdade que queria, me formei na profissão para a qual nasci, sempre consegui os empregos que ambicionei, fiz muitos amigos, viajei pelo mundo, comprei meu apartamento, me desafiei e me superei em tudo. Eu resisti, persisti e consegui!

Qual o gatilho?

Eu não sei o que desencadeia a depressão em cada pessoa, qual é o gatilho. Mas o meu eu sei, com certeza. É a frustração de não conseguir mudar as situações, pessoas e cenários que me adoecem. Foi assim na adolescência, quando descobri que eu tinha e comecei a terapia. Tem até uma frase do Chico Buarque que diz: "As pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho medo que as coisas nunca mudem." Pois é, esse foi e sempre será meu maior fantasma. Eu nunca fui a menina que brincou de bonecas e assistia contos de fadas. Sempre gostei mais das bolitas, do futebol de botão, da corrida de carrinhos de fricção, porém, talvez as novelas ou as propagandas, ou até mesmo o convívio com amigos, me fizeram sonhar com uma vida de comercial de margarina - não tão cafona, mas igualmente feliz e sossegada. O meu imaginário construiu um castelo, só que era de areia e a primeira onda levou. A não-aceitação da vida como ela é, o medo do futuro diferente do que eu tinha planejado para mim são até hoje minha assombração. Quanto mais futuro tem na minha vida, mais distância dos meus sonhos e mais medo aparecem. Sabe aquela máxima "só depende de você"? Não funciona no meu caso, porque, definitivamente, se dependesse só de mim, tudo seria bem diferente.

Com o tempo, desenvolvi ansiedade também. É, exatamente isso que você pensou. Como se não bastasse a depressão, mais essa... Sofro por antecipação o tempo todo. De todas as possibilidades de algo, sempre imagino a pior, a que mais me afetará. Tenho muita dificuldade para focar no lado bom das coisas, tudo que é ruim pesa bem mais e apaga o bom como um temporal. Sou ótima conselheira, entretanto, sou a legítima "faça o que eu digo, não faça o que eu faço". Choro baixinho antes de dormir, choro no banho, choro alto. Do nada, os pensamentos negativos me invadem e vem uma bad, como se diz hoje em dia. Fico me questionando "Por que comigo? Eu, que sempre fiz o bem para todo mundo?". Se fecha o tempo e o céu fica cinza, piora, por isso busco o sol. Se estou em um ambiente no qual eu me sinta um peixe fora d'água, fico praticamente asfixiada com ele. Desconfio de quem mente ou omite, me afasto de quem me passa energia negativa ou agride meus valores, rompo laços com quem se torna tóxico. Vou do abraço de urso ao porco espinho. Há vários gatilhos que potencializam meus sintomas, como clima, ambientes, pessoas, brigas. Minha cabeça não para um segundo e, garanto, isso é enlouquecedor. Se eu pudesse me autoproteger de tudo que pode me perturbar ainda mais, ah, eu faria. Não controlar os próprios pensamentos é aprisionador.

Fim do tabu nas empresas

Mas o que me motivou a falar disso só agora? Bom, já faz alguns anos que trabalho com Comunicação Corporativa. Nos últimos seis, dedicados exclusivamente à Comunicação Interna e Endomarketing, vi pouco ou nenhum movimento nas organizações para falar abertamente sobre depressão com seus profissionais e oferecer suporte e apoio psicológico. Já evoluímos tanto falando de Orgulho LGBTQIA+, inclusão de PCDs, empoderamento feminino. Por que, então, ainda engatinhamos para falar de saúde mental? Se a depressão é uma das maiores causas de afastamento dos colaboradores, o que as empresas estão fazendo para ajudá-los? Passamos a maior parte do nosso dia no trabalho, nossos colegas são praticamente nossa segunda família, e nossa vida pessoal é realmente ignorada como se fôssemos máquinas?

Precisamos falar sobre depressão nas empresas, porque ter um funcionário afastado não é malandragem. Temos o mês de setembro inteirinho para falar disso, e que bom, mas este assunto deveria ser tema todos os dias, até porque, todos os dias, a cada 40 segundos, uma pessoa se mata.

Meu lado ensolarado

Nem tudo são lágrimas e eu não sou um poço de tristeza como este texto pode ter feito parecer. Na verdade, costumo ser mais feliz do que triste. A minha tristeza e melancolia se apresentam quando algo ruim está acontecendo na minha vida ou quando situações que me fazem adoecer ficam se repetindo. Mas há muitas coisas que me fazem feliz, como, por exemplo: o verão. Ah, o verão. Se eu pudesse, não perderia um dia de sol. Faria meu escritório na praia. Perder um dia de sol nos dias livres, aí sim, me entristece muito. Também amo viajar. Passaria facilmente a vida inteira rodando por aí conhecendo lugares e gente nova. Têm coisas que não faço com a frequência que gostaria, mas só de lembrar de quando as fazia, já sequei minhas lágrimas e estou sorrindo. Ler um bom livro deitada na rede no final da tarde, andar de bicicleta na orla, tomar banho sol e de mar, sair com os amigos para beber e dar risada, dançar um pagodinho, tomar um chimarrão no parque...

Portanto, se você tem um amigo que tem depressão, potencialize o lado ensolarado dessa pessoa. Faça a luz dela brilhar junto com o sol. E não esqueça que o sol é um ótimo aliado, assim como os exercícios físicos e a terapia, de uma pessoa com depressão. Leve-a para o parque, para a praia e para fazer esportes com você. Tire-a de casa, sempre! Um depressivo já é prisioneiro de sua cabeça, então liberte-o da prisão das quatro paredes. E você aí, que tem o mesmo problema que eu, lembre-se: eu resisti, persisti e consegui. Você também consegue e será seu maior troféu! Que venham os dias de luz.

Artigo publicado em Coletiva.net: https://coletiva.net/artigos-home/carta-aberta-sobre-a-depressao,373215.jhtml

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